AMAZÔNIA E O ESCALPELAMENTO MUITO TRISTE

O escalpelamento acontece dentro dessas embarcações sem segurança nenhuma.  O motor e o eixo são descobertos pondo em risco quem se aproxima. Veja agora como acontece o acidente: Quando o motor é ligado, o eixo gira em alta velocidade. Durante a viagem, é comum o barco ficar alagado e os passageiros têm que tirar o excesso d'água. Ao se aproximar do eixo, centenas de meninas e crianças da Amazônia foram sugadas e tiveram o couro cabeludo arrancado.
"Eu me abaixei e o motor pegou, o eixo do motor pegou o meu cabelo eu desmaiei imediatamente", conta Tássia Souza, uma das vítimas. "Eu fui me abaixar pra pegar a vasilha pra tirar água", diz Delziane Pantoja, outra vítima. A repórter pergunta: Com você foi mais grave porque o cabelo estava preso no momento do acidente?  "Foi escalpe total, porque aí pega tudo, quando tá solto não, tem a possibilidade de pegar só a metade", explica a vítima.
Esta garota, de apenas sete anos, perdeu o couro cabeludo e teve uma orelha decepada. Joice se aproximou do motor do barco do pai dela e foi arrastada pra baixo do eixo. Ela conta que tinha os cabelos compridos que nem a boneca. E, por ironia do destino, foram os cuidados com o cabelo que causaram o acidente. "Eu fui pegar uma escova". Pele morena.  Cabelos negros, compridos. É a aparência da mulher ribeirinha. A mistura que vem da miscigenação entre índios e europeus.  A ribeirinha é também o alvo mais comum dessa tragédia amazônica,  80% das vítimas do escalpelamento são do sexo feminino.  Na maioria dos acidentes o escalpelamento é total, quer dizer, todo couro cabeludo é arrancado e os cabelos não voltam a crescer.
O tratamento é doloroso e dura mais de dez anos. A primeira etapa é repor a pele do crânio com enxertos retirados das pernas. "Eu espero que eu fique boa pra poder voltar logo pra minha casa, pra estudar". Quando o acidente não é tão grave, há uma possibilidade de se recuperar o couro cabeludo.  Os médicos recorrem ao expansor, uma espécie de bolsa, que é colocada por baixo da pele do paciente.  Toda semana, a prótese recebe soro fisiológico e vai enchendo. O objetivo é esticar a pele e aumentar o couro cabeludo. "É como se eu causasse o que? Uma gravidez nesse couro cabeludo, e essa gravidez causada no couro cabeludo, mais tarde quando eu tirar, esse aparelho vai me sobrar bastante tecido", explica o cirurgião plástico Victor Aifa.
O escalpelamento no norte do país é mais comum do que se imagina. Santarém, Altamira e Barcarena são os municípios que registram mais acidentes deste tipo. Nos últimos 20 anos, quase 200 vítimas foram atendidas na Santa Casa de Belém, 5% morreram. A cada mês, dois acidentes em média são registrados no Pará. O Domingo Espetacular acompanhou uma fiscalização da capitania dos portos. Veja o que a repórter Alinne Passos encontrou durante a blitz.
Da cidade de Belém seguimos para o furo do maracujá, perto da capital.  Logo na primeira abordagem já verificamos a falta de segurança.  O motor e o eixo deste barco estão sem proteção.  Mas o dono diz que não tem perigo viajar assim. "Entrou criança aqui é tudo pra frente, não deixa passar aqui pra trás"
As embarcações sem proteção tiveram as habilitações suspensas.  Mas a capitania dos portos admite a dificuldade para fiscalizar os barcos por causa da geografia da região. Outro problema é a falta de registro dos casos de escalpelamento. "As embarcações são de caráter familiar e os proprietários das embarcações, portanto, os responsáveis são familiares das vítimas isso gera uma séria dificuldade para que o acidente chegue até a capitania", diz o Sargento da Capitania dos Portos, Daniel de Oliveira Lima.
Durante a viagem pelos rios do Pará nós encontramos este metalúrgico que faz a cobertura dos eixos com aço. "Proteção do volante e do eixo, kit completo".
A cobertura custa R$ 90.  Mas os ribeirinhos, que geralmente montam os próprios barcos, não têm dinheiro para comprar o kit. Uma ONG, fundada por este médico, quer levar o serviço de forma gratuita aos moradores das regiões mais pobres e já fez parcerias com o governo e a iniciativa privada.
O cirurgião plástico Claudio Brito criou a ONG Sarapó depois de conhecer de perto o drama das escalpeladas. Desde 2001, ele presta assistência às vítimas. "O sofrimento dessas meninas não se resume ao acidente. Depois vêm inúmeros curativos, cirurgias e não é só isso, um momento mais difícil é esse, a hora de encarar o espelho, sempre cruel e implacável ao revelar as mutilações do escalpelamento", diz.
"Não consegui, não gostava, dava vontade de quebrar o espelho, ficou muito feia, mas agora já passou". "Eu quebrava o espelho, chorava, passava, eu sofria muito, fiquei com depressão", dizem as vítimas.
Além da dor e do sofrimento estas meninas têm que enfrentar outro drama: o preconceito. "Eu sabia que as pessoas iam olhar pra ti assim nossa olha só aquela garota não tem cabelo, não tem orelha, isso foi difícil pra mim, pelo comentário das pessoas". "Os pivetes puxaram o boné da minha cabeça, aí todo mundo achando graça, foi muito triste, muito triste mesmo". "Muita gente vinha em casa, queria ver, dizia que tava feio, sofri demais, mas me recuperei disso", contam as meninas.
Depois de tanto sofrimento, essas meninas pensam agora no futuro. E elas têm muitos planos. Joice, que traz no rosto e no pescoço as marcas do escalpelamento, está na segunda série e passa as tardes brincando com os amiguinhos.  Ela vai ser dama de honra no casamento de uma tia e diz que precisa ensaiar para a cerimônia. Enquanto ensaia Joice sonha com um presente. "Eu quero uma peruca".

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